CARTA DE SALVADOR
O Movimento Redemoinho, que une grupos teatrais de 14 estados do país, tem participado do intenso debate que ocorre há anos sobre a reformulação das políticas públicas para a área cultural.
Nesse período, o movimento, na contramão de propostas de ação pública baseadas em renúncia fiscal, chegou a formular um projeto de fomento – o Prêmio Teatro Brasileiro – que prevê não apenas a manutenção de trabalhos continuados, mas a produção e a circulação de espetáculos, através de verbas do orçamento da União.
Em paralelo, através de documentos públicos, discussões e artigos de jornal, o Redemoinho reafirmou seu interesse em trabalhar a favor da construção de ações públicas que sejam capazes de desprivatizar e desmercantilizar os processos culturais tais como ocorrem no país hoje.
Era nesse sentido que o movimento aguardava com enorme expectativa a proposta de reformulação da Lei Rouanet, uma das principais ferramentas da distorção privatista que rege o trato de recursos públicos para a área cultural.
O projeto apresentado pelo Ministério da Cultura, o chamado Profic, que se apresenta como o substituto do Pronac, sustenta-se sobre as mesmas bases: o Fundo Nacional de Cultura, os patrocínios privados com renúncia fiscal e o Ficart – Fundo de Investimento Cultural e Artístico.
A novidade aparente é a tentativa de articular essas instâncias num sistema capaz de controlar aquilo que surge como excesso nas captações e destinações.
O que permanece intocado, entretanto, é o fundamento da lei – que não é apenas um excesso, mas uma aberração: a gestão privada de recursos públicos.
O monstro privatista continua a ser alimentado, segundo regras aparentemente mais eficazes e rígidas. Mas a serviço do quê? Os departamentos de marketing continuam a gerir recursos públicos, o governo continua a transferir sua responsabilidade para os gerentes das corporações, a cultura continua a ser tratada como negócio.
Diminuir a porcentagem da transferência de recursos, com normas moralizadoras, não muda a natureza da omissão, nem o fundamento privatista do processo.
É significativo que o anteprojeto do Profic seja permeado por termos da retórica mercantil: valorização, rendimento, vales, difusão, consumo, sustentabilidade - são expressões que não escondem a lógica empresarial que o anima. A idéia de um sistema cultural surge conformada pela imagem de um mercado que precisa ser criado, amparado, estimulado ao preço da própria cultura, quando se pretende algo mais do que a forma mercadoria.
Diante disso, o movimento Redemoinho não reconhece no Profic uma disposição a enfrentar o verdadeiro problema das políticas públicas para a cultura no país: seu caráter privatista.
No Profic, o Redemoinho reconhece no Fundo Nacional de Cultura a única possibilidade de ação que possa realmente se caracterizar como instrumento de política pública. Nesse sentido, este Movimento pretende ocupar os espaços de discussão sobre o mesmo junto ao MINC e à sociedade.
Além disso, o Redemoinho defende uma política pública para a cultura que contemple vários programas (e não a renúncia fiscal como programa único) com recursos orçamentários próprios e regras democráticas estabelecidas em lei como política de Estado.
Não haverá transformação cultural enquanto as ações humanas forem organizadas pela lógica da eficácia mercantil e a cidadania for construída na perspectiva do consumo.
REDEMOINHO
Movimento Brasileiro de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral
V Encontro Nacional, Salvador, Bahia, 24 de março de 2009.
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